terça-feira, 18 de junho de 2013

Situação de aprendizagem presencial


Aeroporto 

                                                Carlos Drummond de Andrade

 
Viajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor. Durante esse tempo, não faltou assunto para nos entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre tivemos muito assunto, e não deixamos de explorá-la a fundo. Embora Pedro seja extremamente parco de palavras e, a bem dizer, não se digne pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é conversa de gestos e expressões, pelos quais se faz entender admiravelmente. É o seu sistema.

Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria para os moradores, com ou sem motivo plausível. Era a sua arma, não direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer. Seu sorriso foi logo considerado sorriso especial, revelador de suas intenções para com o mundo ocidental e o oriental e em particular o nosso trecho de rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos, gratificados com esse sorriso (encantador, apesar da falta de dentes), abonam a classificação.

Devo admitir que Pedro, como visitante, nos deu trabalho: tinha horários especiais, comidas especiais, roupas especiais, sabonetes especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam providências e privilégios maiores. Recebia tudo com naturalidade, sabendo-se merecedor das distinções, e ninguém se lembraria de achá-lo egoísta ou inoportuno. Suas horas de sono — e lhe apraz dormir não só à noite como principalmente de dia — eram respeitadas como ritos sacros a ponto de não ousarmos erguer a voz para não acordá-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não se zangaria com a gente, porém é que não nos perdoaríamos o corte de seus sonhos. Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito concerto para violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se forraram à tortura da TV. Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não tinha importância.

Objeto que visse em nossa mão, requisitava-o. Gosta de óculos alheios (e não os usa), relógios de pulso, copos, xícaras e vidros em geral, artigos de escritório, botões simples ou de punho. Não é colecionador; gosta das coisas para pegá-las, mirá-las e (é seu costume ou sua mania, que se há de fazer) pô-las na boca. Quem não o conhecer dirá que é péssimo costume, porém duvido que mantenha este juízo diante de Pedro, de seu sorriso sem malícia e de suas pupilas azuis — porque me esquecia de dizer que tem olhos azuis, cor que afasta qualquer suspeita ou acusação apressada sobre a razão íntima de seus atos.

Poderia acusá-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre os cômodos, e o que lhe ocorria fazer, fazia em qualquer parte? Zangar-me com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. Jamais me voltei para Pedro que ele não me sorrisse; tivesse eu um impulso de irritação, e me sentiria desarmado com a sua azul maneira de olhar-me. Eu sabia que essas coisas eram indiferentes à nossa amizade — e, até, que a nossa amizade lhes conferia caráter necessário, de prova; ou gratuito, de poesia e jogo.

Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de um ano de idade a seu companheiro já vivido e puído. De repente o aeroporto ficou vazio.

 
Extraído de: Cadeira de balanço. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1976, p. 61, 62.

 
Situação de aprendizagem
 
TEMPO  PREVISTO:  06  aulas

Série/ano: 8ª/9º

CONTEÚDO  TEMÁTICO:  Crônica tipologia Narrativa e reconhecimento do gênero

OBJETIVO:   Estimular o aluno a desenvolver e ampliar  a competência  leitora  através de reflexões   na tipologia  narrativa.

TEMA:   Crônica tipologia narrativa/descritiva reconhecimento do gênero

COMPETÊNCIAS/HABILIDADES

 Identificar , em um texto ,marcas relativas à variação linguística do ponto  de vista do léxico;

 Identificar  o gênero  e o assunto principal;

• Inferir informação pressuposta ou subentendida;

• Inferir opiniões ou conceitos pressupostos ou subentendidos  em um  texto.

ESTRATÉGIAS:

 Ativação  de conhecimento de mundo, predição e checagem de hipótese; localização de informações.

  distribuir cópia do texto para cada aluno;

• solicitar leitura individual;

• revisar os elementos da narrativa com foco no conflito;

• utilizar imagens, músicas.

• aula expositiva.

QUESTÕES

Você    visitou um aeroporto?  O que sentiu ao observar  a pista de pouso e decolagem? E o saguão do aeroporto, é movimentado?  O que  sentiu  ao observar ?

O que é  um  hóspede para você? Você já foi  um   ou     hospedou  alguém ? Um hóspede  é sempre  bem vindo?

Quem você  supõe ser  Pedro  diante das  informações   que  ele emite  sílaba,  gestos e expressões?

As  palavras “quadrimotor”  e “parco” faz   parte do seu vocabulário?  Você  ouve  outras  pessoas  utilizando-as? Diria  que são atuais ou antigas?   Qual  deve ser a   faixa etária do   anfitrião?

 O  fato de  Pedro  sorrir  para  os moradores sem motivo, apesar da falta de dentes ,  o conduz a concluir o que  sobre Pedro?

O narrador afirma que Pedro  deu trabalho, transcreva passagens do texto  que  comprovem  essa  afirmação . E o narrador  considerou isso um incômodo ?

Cite os maus  costumes que Pedro  possuía.

A hora  do  sono  de Pedro tinha de ser respeitada  e  por  conta disso  a rotina  da casa  foi alterada. Quais  foram as  consequências  para o narrador por não querer atrapalhar  o sono  de Pedro?

O narrador emite  uma opinião  sobre  a TV.   Qual é ? É positiva ou negativa? Justifique com passagens no texto.

Que diferença  há em dizer “Meu  amigo Pedro viajou” e “Viajou meu amigo Pedro”?

Relacione  o  título  ao tema tratado no texto.  Considere  as ações principais de um aeroporto como  sendo  “chegadas”  e “partidas”. Qual dessas ações está  mais  acentuada  no texto?

Há no texto  um conflito?  Se houver, qual   é ?

 
RECURSOS: Data show,  dicionário, aparelho  de cd, aula passeio  e sala de aula.

AVALIAÇÃO: Exposição oral do  entendimento do texto "AEROPORTO" de Carlos Drummond de Andrade .

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM - TEXTO: AEROPORTO



Tempo Previsto: 2 a 4 aulas

      Série: 8ª série/9º ano

Objetivos: reconhecer a Tipologia Textual Narração e seus elementos.

Conteúdo Temático: revendo, reconstruindo o Gênero Textual Crônica.

Competências e Habilidades: identificar a finalidade de um texto, seu gênero e assunto principal, inferir informações pressupostas ou subtendidas em um texto literário com base na sua compreensão global.

Estratégias: leitura prévia e compartilhada do texto “Aeroporto”, discussões em grupo, localizar e comparar informações.

Recursos: audiovisual, caderno do aluno, fotos do aeroporto, livros didáticos.

Avaliação: fichas de leitura, reescrita da crônica, produção de texto mostrando a continuação da história “Aeroporto”.


Leitura e análise de texto
Aeroporto - Carlos Drummond de Andrade

Viajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor. Durante esse tempo, não faltou assunto para nos entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre tivemos muito assunto, e não deixamos de explorá-la a fundo. Embora Pedro seja extremamente parco de palavras e, a bem dizer, não se digne pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é conversa de gestos e expressões, pelos quais se faz entender admiravelmente. É o seu sistema.
Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria para os moradores, com ou sem motivo plausível. Era a sua arma, não direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer. Seu sorriso foi logo considerado sorriso especial, revelador de suas intenções para com o mundo ocidental e o oriental e em particular o nosso trecho de rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos, gratificados com esse sorriso (encantador, apesar da falta de dentes), abonam a classificação.
Devo admitir que Pedro, como visitante, nos deu trabalho: tinha horários especiais, comidas especiais, roupas especiais, sabonetes especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam providências e privilégios maiores. Recebia tudo com naturalidade, sabendo-se merecedor das distinções, e ninguém se lembraria de achá-lo egoísta ou inoportuno. Suas horas de sono — e lhe apraz dormir não só à noite como principalmente de dia — eram respeitadas como ritos sacros a ponto de não ousarmos erguer a voz para não acordá-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não se zangaria com a gente, porém é que não nos perdoaríamos o corte de seus sonhos. Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito concerto para violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se forraram à tortura da TV. Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não tinha importância.

Objeto que visse em nossa mão, requisitava-o. Gostam de óculos alheios (e não os usa), relógios de pulso, copos, xícaras e vidros em geral, artigos de escritório, botões simples ou de punho. Não é colecionador; gosta das coisas para pegá-las, mirá-las e (é seu costume ou sua mania, que se há de fazer) pô-las na boca. Quem não o conhecer dirá que é péssimo costume, porém duvido que mantenha este juízo diante de Pedro, de seu sorriso sem malícia e de suas pupilas azuis — porque me esquecia de dizer que tem olhos azuis, cor que afasta qualquer suspeita ou acusação apressada sobre a razão íntima de seus atos.
Poderia acusá-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre os cômodos, e o que lhe ocorria fazer, fazia em qualquer parte? Zangar-me com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. Jamais me voltei para Pedro que ele não me sorrisse; tivesse eu um impulso de irritação, e me sentiria desarmado com a sua azul maneira de olhar-me. Eu sabia que essas coisas eram indiferentes à nossa amizade — e, até, que a nossa amizade lhes conferia caráter necessário, de prova; ou gratuito, de poesia e jogo.
Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de um ano de idade a seu companheiro já vivido e puído. De repente o aeroporto ficou vazio.


Extraído de: Cadeira de balanço. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1976, p. 61, 62.


Atividade 1 – Análise e Interpretação de Imagem
1-     Analise as imagens abaixo:


                                            A                                                                       B




a-     Você conhece os ambientes das imagens A e B? Já viu ou passou em algum lugar parecido? Em que situação?

b-    Qual a relação dessas imagens com o texto “Aeroporto”?
Atividade 2 – Interpretação de Texto

1-     A narrativa conta a história de Pedro. Quem era Pedro? Como ele é apresentado? Qual a possível relação de Pedro com o outro personagem da história?

2-     Leia: “Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor”. A partir do trecho lido você consegue perceber em que local a história aconteceu? Justifique.

3-     O texto “Aeroporto” é uma narrativa contada em 1ª ou 3ª pessoa? Justifique com exemplos do texto.

4-      Leia: “De repente o aeroporto ficou vazio”. Qual o sentido da palavra em destaque dentro do texto?

Atividade 3 – Conhecendo o Gênero Textual Crônica

A crônica é um gênero que tem relação com a ideia de tempo e consiste no registro de fatos do cotidiano em linguagem literária, conotativa. A origem da palavra crônica é grega, vem de chronos (tempo), é por isso que uma das características desse tipo de texto é o caráter contemporâneo”.(Fonte: http://www.brasilescola.com/redacao/a-cronica.htm).   

A partir da leitura do trecho responda:

a-     Você já ouviu falar do Gênero Textual Crônica?
b-    O texto “Aeroporto” pode ser considerado uma crônica? Justifique.
Atividade 4 – Produção de Texto
a-     Agora que você já conhece a história do texto “Aeroporto” que tal produzir um texto? Você deverá desenvolver uma crônica contando o que aconteceu depois da partida de Pedro. Use sua criatividade.



quinta-feira, 13 de junho de 2013

Situação de Aprendizagem 3

Analisando  o conto Pausa de Moacyr Sclair

O objetivo  desta  Situação de Aprendizagem  é   estudar os traços do gênero  “conto”, por meio de diferentes habilidades. Ao final  desse processo, o aluno deve ser capaz de: conhecer  as características de um conto , ampliar sua capacidade leitora e dar ênfase na compreensão  e no entendimento do texto.


Tempo previsto: 6 aulas                                      série: 8ª / 9º ano

Conteúdo e temas:

  • ·         Roda de conversa
  • ·         Inferência
  • ·         Exploração do título
  • ·         Formulação de hipóteses
  • ·         Mostrar as características do gênero “conto”
  • ·         Leitura do conto Pausa de Moacyr Sclair
  • ·         Tipologia “descrever ações”  do conto
  • ·         Coerência e organização  textual
  • ·         Entonação na leitura do conto.
  • ·         Buscar  as  informações subentendidas no texto.

  Competências  e habilidades :


Espera-se  que, tendo como referência principal a tipologia narrativa,em situações de aprendizagem intermediadas e orientadas  durante as leituras  de contos, os alunos devem desenvolver as seguintes habilidades:
  • ·         Inferir informação pressuposta   ou subentendida no texto literário com base na sua compreensão global.
  •           Ativar o conhecimento de mundo.
  •  ·         Localizar informações no conto , compará-las e generalizá-las.
  •     Inferir opiniões ou conceitos pressupostos ou subentendidos em um texto.
  •  ·         Reconhecer   o processo de composição textual como um conjunto de ações interligadas.
  •  ·         Reconhecer e relacionar linguagem verbal e não verbal no entendimento textual  (diálogo entre textos). 
  •  ·         Reconhecer os traços característicos do gênero conto.
  •           Posicionar-se como  agente das ações que contribuem  para sua formação como leitor e escritor. Co-autor textual.

 Estratégias :

A partir  de conhecimentos prévios, inferências , com o direcionamento do professor e aproximação com a realidade do aluno, uso de recursos visuais ( imagens)  e  uma aula interativa  com perguntas e respostas buscar aproximar os alunos  e atrai-los na compreensão e  entendimento do texto.

Roteiro para a aplicação da Situação  de Aprendizagem
Passo 1
Reconhecendo as características de um conto.

Passo 2
Inicialmente e com a ajuda do Data Show  coloque imagens relacionados ao título Pausa e o nome do autor  Moacyr Sclair  na lousa. A partir das imagens , do título e nome do autor estimule os  alunos a trabalhar com hipóteses respondendo as seguintes perguntas:


  1. O que você entende  pela palavra Pausa? No seu cotidiano, quais momentos ela acontece e por quê acontece?
  2. Nas  aulas anteriores fizemos a leitura do  conto Passeio Noturno de Moacyr Sclair. A partir dessa leitura e das características aprendidas  sobre o  estilo do autor , podemos através de sugestões responder o por quê Sclair escolheu o título Pausa?.
  3. Agora observem as imagens e tentem relacioná-las com o título do conto.  Quais as hipóteses que podemos  firmar a respeito do  tema  e do assunto.

Mudando o Foco
Passo 3
Após o aquecimento  e  levantamento de hipóteses , o conto deve ser apresentado aos alunos, no Data Show em fragmentos, algumas partes devem ser omitidas, com o propósito  de  convidar o  aluno  a abrir seus horizontes, despertar seu senso critico  e instigá-los a trabalhar com hipóteses. Nesse momento, a criatividade e a participação de todo o grupo é fundamental.  Essa estratégia permite que o aluno seja, nesse caso, um co-autor do texto, além de despertar a curiosidade a respeito do enredo e seu desfecho final.
As perguntas abaixo, podem ajudá-los a imaginar o conto num sentido mais amplo.


  1.     Aonde Samuel  vai todos os domingos de manhã? Descreva esse espaço por ele freqüentado.
  2.     Nesse lugar o homem encontra alguém? Quem? Tente imaginar e descrever as características físicas , caso essa  personagem exista?
  3.     O que Samuel costuma fazer nesse local ?
  4.     Quando a personagem afrouxa a gravata, conforme declaração do narrador.Quais  serão suas próximas ações ?
  5.    Por que Samuel é chamado de João, ao final do conto?
  6.     Por que Samuel tem essa atitude fora de casa?

Recursos
  • ·         Conto Pausa  de Moacyr Sclair
  • ·         Data show
  • ·         Imagens
  • ·         Lousa
  • ·         Giz

 Avaliação Final
Passo 4
Para avaliação final da  Sequência Didática   o professor deve  convidar cada grupo a completar as partes do texto Pausa,  que foram omitidas  durante a leitura. O propósito dessa etapa é ampliar o nível de envolvimento dos alunos durante a leitura textual, estimula-los a  criarem hipóteses e, principalmente, proporcionar a interação entre os pares. Acreditamos que essa estratégia só vem a  fomentar uma maior participação e compartilhamento  dos alunos nas discussões  e analises dos textos.  
  Após a leitura oral  dos grupos  e para finalizar  a situação de aprendizagem, leia o conto “Pausa” de Moacyr Sclair original e na integra. Os alunos se surpreenderão  ao comparar suas  criações com o texto original. Essa roda de conversa é fundamental para incentivá-los a buscar outros textos  literários .
Para finalizar  oralmente faça  as seguintes perguntas: 

1. Você se surpreendeu com o conto original 
2. Existe alguma semelhança  do seu conto com o  conto  original?
3.De todas as leituras feitas , escolha o conto que o grupo achou  mais  criativo. Justifique para a sala sua escolha.
 Essa parte da atividade deve ser feita oralmente numa roda de conversa. 
Os alunos serão avaliados pela sua participação e interesse na atividade.

CONTO - PAUSA

        Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para o banheiro, fez a barba e lavou-se. Vestiu-se rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando:
        - Vais sair de novo, Samuel? Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era
uma máscara escura.
        - Todos os domingos tu sais cedo - observou a mulher com azedume na voz.
    - Temos muito trabalho no escritório – disse o marido, secamente. Ela olhou os sanduíches: - Por que não vens almoçar?
      - Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche. A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse a carga,
Samuel pegou o chapéu:
     - Volto de noite. As ruas ainda estavam úmidas de cerração. Samuel tirou o carro da garagem. Guiava vagarosamente, ao longo do cais, olhando os guindastes, as barcaças atracadas.
      Estacionou o carro numa travessa quieta. Com o pacote de sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras. Deteve-se ao chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os lados e entrou furtivamente. Bateu com as chaves do carro no balcão, acordando
      Capítulo 6 Professor: Edson um homenzinho que dormia sentado numa poltrona rasgada. Era o gerente. Esfregando os olhos, pôs-se de pé.
         A gente
    - Ah! Seu Isidoro! Chegou mais cedo hoje. Friozinho bom este, não é? - Estou com pressa, seu Raul! – atalhou Samuel.
      - Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre. – estendeu a chave. Samuel subiu quatro lanços de uma escada vacilante. Ao chegar ao último andar, duas mulheres gordas, de chambre floreado, olharam-no com curiosidade.
       - Aqui, meu bem! - uma gritou e riu: um cacarejo curto. Ofegante, Samuel entrou no quarto e fechou a porta à chave. Era um aposento pequeno: uma cama de casal, um guarda-roupa de pinho; a um canto, uma bacia cheia d’água, sobre um tripé. Samuel correu as cortinas esfarrapadas, tirou do bolso um despertador de viagem, deu corda e colocou-o na mesinha de cabeceira.
       Puxou a colcha e examinou os lençóis com o cenho franzido; com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a gravata. Sentado na cama comeu vorazmente quatro sanduíches. Limpou os dedos no papel de embrulho, deitou-se e fechou os olhos.
         Dormir. Em pouco dormia. Lá embaixo a cidade começava a mover-se: os automóveis buzinando, as jornaleiras gritando, os sons longínquos.
       Um raio de sol filtrou-se pela cortina, estampou um círculo luminoso no chão carcomido.
       Samuel dormia; sonhava. Nu, corria por uma planície imensa, perseguido por um índio montado a cavalo. No quarto abafado ressoava o galope. No planalto da testa, nas colinas do ventre, no vale entre as pernas, corriam. Samuel mexia-se e resmungava. Às duas e meia da tarde sentiu uma dor lancinante nas costas. Sentou-se na cama, os olhos esbugalhados: o índio acabava de trespassá-lo com a lança. Esvaindo-se em sangue, molhado de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito soturno de um vapor. Depois, silêncio.
      Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para a bacia, lavou-se. Vestiu-se rapidamente e saiu.
Sentado numa poltrona, o gerente lia uma revista. - Já vai, seu Isidoro?
     - Já – disse Samuel, entregando a chave. Pagou, conferiu o troco em silêncio. - Até domingo que vem, seu Isidoro – disse o gerente.
      - Não sei se virei – respondeu Samuel, olhando pela porta; a noite caía.
     - O senhor diz isto, mas volta sempre – observou o homem, rindo.
Samuel saiu.
       Ao longo do cais guiava lentamente. Parou um instante, ficou olhando os guindastes recortados contra o céu avermelhado. Depois, seguiu. Para casa.

IMAGENS
DataShow





  



















Referências bibliográficas :

BAKHTIN, M. M./VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard et al. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (Francófona). In: ______. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2012. p. 35-60.
ROJO, Roxane. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. In: Curso EaD/EFAP. Leitura e escrita em contexto digital – Programa Práticas de leitura e escrita na contemporaneidade. 2012.
SCLIAR, Moacyr. Pausa. In: BOSI. Alfredo (Org.) Conto Brasileiro Contemporâneo. São Paulo: Cultrix, s/d. p. 275-277.






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